quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A “PRAGA” DA PARTIDARIZAÇÃO DAS RESIDÊNCIAS UNIVERSITÁRIAS

“...A filiação partidária, o nepotismo e o amiguismo predominam como critérios de recrutamento para a função pública. Estima-se que o número de
funcionários do Estado recrutados com base no mérito profissional se situe em apenas 13 porcento…”

Este excerto pode-se ler num relatório publicado na quinta-feira, 16.07.09, na capital do país pelo Mecanismo Africano de Revisão de Pares (MARP) assim como numa notícia do jornal A TribunaFax do dia 20.07.09, assinada por Matias Guente a propósito da frequente partidarização do Estado em Moçambique.

A leitura deste documento fez-me lembrar o actual cenário que caracteriza os estudantes nalguns lares universitários de Maputo. Uma situação típica da corrida aos armamentos protagonizada pelos países europeus nas vésperas das duas grandes guerras mundiais, como documenta a história universal. Só que, no caso presente, trata-se de uma febre aos partidos políticos rumo às eleições de Outubro.

Na minha modesta opinião, penso não ser mau, nem condenável, o acto das pessoas aderirem aos partidos políticos, sejam eles quais forem. Aliás, cada cidadão é livre de o fazer nas condições em que bem entender, contanto que, não seja de forma exasperada, como acontece nos últimos dias nessas casas onde a situação chega a confundir-se com uma autêntica praga.

Embora reconhecendo o papel crucial que os partidos políticos jogam numa sociedade democraticamente salutar, considero-os, autênticas pedras de tropeço e, por isso, sérios obstáculos para a emergência de uma classe mentalmente critica. Basta reparar para o espírito de subserviência, letargia e falta de investigação científica a que os nossos intelectuais ao serviço dessas organizações estão submetidos.

Ora, pouco sei sobre a história politico-partidária das residências universitárias, entretanto, nos últimos anos, fui-me informando através de várias fontes de que, os lares também não escaparam aos famosos programas de disseminação e criação de células em tudo quanto é canto no país, promovidos pela Frelimo. É por isso que, não constitui “pecado” algum falar desse partido nas residências como acontece quando se faz menção de outros. O que não quer dizer que as perdizes, os pangolins, e os galos não tenham simpatias nesses meandros.

Assim, com o surgimento do MDM e a proximidade das eleições, a maratona está atingir níveis de alta competitividade, transformando os recintos em verdadeiras arenas de disputas eleitoralistas e partidárias em que cada organização passeia a sua classe com promessas sem entranhas de honestidade e argumentos habilmente concebidos para sacar o voto dos estudantes.

Segundo fontes dos locais, muitos estudantes nutrem simpatias pelo MDM. Conta-se que num desses domicílios, o número de estudantes/simpatizantes chega a atingir 70 porcento das mais de quatro centenas que vivem por ali. Outros dados dão conta que, na residência universitária número 1 da UEM, cada piso, num universo de 8, possui uma célula da Frelimo a trabalhar com unhas e dentes para recolher cada vez mais, novos membros.

Este clima confirma as teses que denunciam a falta de empenho académico por parte dos estudantes nos últimos momentos. Longe se vão os tempos em que as residências eram verdadeiros centros de debate, onde uma grande diversidade de seres humanos pensantes confluía os seus diversificados conhecimentos e visões com vista a produção cientifica em prol do desenvolvimento da pátria.

Nesta ordem de ideais, muitos compatriotas questionam: Porque os estudantes precipitam-se aos partidos políticos?

E na mesma linha, outros respondem: esse comportamento é na maior parte justificado pela tentativa de salvaguardar uma sobrevivência estomacal segura no futuro. Os nossos doutores do amanhã tencionam evitar as experiências amargas de desemprego e miséria, cuja maior parte dos seus antecessores ficou votada depois das licenciaturas.

Por outro lado, sublinhe-se que muitos desses jovens são provincianos e quando terminam os seus cursos enfrentam várias barreiras para encontrar um reduto que lhes dê sustento, crises essas, que impedem a sua auto-afirmação como humanos em estado de maioridade.

Segundo a realidade no terreno, as dificuldades tem em parte a ver com a crescente partidarização do Estado moçambicano, exclusão social, a institucionalização do nepotismo e clientelismo nas organizações público-privadas, entre outros, como refere o supracitado relatório.

Portanto, o mais caricato nisso, é o facto da maior parte das vezes, os estudantes não gostarem da situação. Todavia suportam, gritam de forma efusiva e hipócrita todos os vivas requisitados no partido. Uma atitude indigna que os faz cada vez mais marionetas e cidadãos alienados.

É caso para dizer que estamos diante duma geração rasca e a reboque dos partidos políticos. Algo que não é saudável para o tipo de filhos que a nossa pátria amada necessita! Portanto, pensem nisso. Saudações académicas a todos os estudantes espalhados por este solo pátrio.





7 comentários:

  1. Caro patriota,

    Parabéns por teres trazido este tema que tratámos superficialmente no SOLTA-TE. É um tema importante, mas talvez ainda não estudado. Como bem descreves, as razões da aderência dos jovens estudantes aos partidos políticos são ainda desconhecidas e generaliza-se o que pode ser facto para alguns. Para alguns (quantos?) a razão pode ser sobrevivência estomacal, rendendo-se ao sistema em apenas 13 % têm emprego por mérito profissional. Contudo, acho que podemos também admitir que para a maioria, segundo os dados que nos forneces, adira aos partidos políticos para lutar contra o sistema instalado. Em que frente a pessoa quer estar, pode depender da estratégia que o indivíduo tenha esboçado, e, não menos das possibilidades que tem. O sistema de partidarizacão da funcão pública pode ser combatido de fora como por dentro e assim sempre foi com outros sistemas nomeadamente o colonial e o monopartidarista...

    Quanto às consequências disso no empenho académico, também tem lógica. Primeiro, lembremo-nos que em cada guerra pioneiros são jovens. Na Luta pela Independência Nacional foram jovens de então; na guerra civil de 16 anos para a democracia, foram também jovens. Se formos a ver, a maioria desses jovens sacrificaram os seus estudos. Marcelino dos Santos, Joaquim Chissano desistiram dos estudos; Herminío Morais, entre outros, idém. Se bem que a actual luta em Mocambique a que eu considero pela democratizacão e desenvolvimento de Mocambique, é e tem que ser pacífica, não vai dispensar sacríficios e sacrificados. Porém, sou da opinião que os caros estudantes sejam "disciplinados", quer dizer, sejam organizados, tentando fazer tudo sem grande prejuízo dos seus estudos. Esta fase da luta precisa muito de conhecimentos científicos.

    Um abraco

    ResponderEliminar
  2. De facto, caro Patriota, trazes aqui uma abordagem concebida com muita sabedoria e graca.
    Eh um facto que as residencias andam totalmente partidarizadas, mas tudo indica que as celulas que la existem nao sao de hoje.

    Essa atitude dos estudantes reflecte o desespero quanto ao futuro incerto visto que lhes foram ditos que para ter um bom emprego passa pela aquisicao de cartao de membros de alguns partidos.

    Com que jovens o pais pode contar?

    ResponderEliminar
  3. Caro patriota,
    O teu e-mail nao funciona.
    Era apenas para dizer que já figuras na lista dos meus elos.
    Abraços.

    ResponderEliminar
  4. Obrigado condecoravel Reflectindo

    Andei um pouco desligado da internet, pelo que agora estou devolta e depois de ter lido o seu sabio comentario so posso retribuir-lhe com os meus sinceros agradecimentos pela forma lucida e desapaixonada com que abordas as coisas.

    "...Contudo, acho que podemos também admitir que para a maioria, segundo os dados que nos forneces, adira aos partidos políticos para lutar contra o sistema instalado..."

    Extrai o trecho duma parte do seu comentario para dizer-lhe que seria muito bom que os jovens entrassem nos partidos para lutar contra o sistema no sentido de melhorar vida dos seus mocambicanos.

    Mas lamentavelmente, as coisas nao sao assim, com base nas conversas que faco no dia-a-dia com muitos compatriotas da minha faixa etaria denotam render-se ao sistema e para que nao sejam espurgados do mapa perferem aliar-se.

    Talves existam jovens lucidos e com essa mentaldade, mas posso asegurar-lhe que nao vao ate 20 porcento.

    Fique atento meu conterraneo nacional, ai vem a campanha eleitoral e poderas conferir na integra o teor dos meus pronuciamentos.

    Viva...

    ResponderEliminar
  5. Ai esta Shirangano

    Tenho certeza que os jovens vivem num clima de desespero, acredito que eles desejam um pais de igualdade de direitos, querem politicas inclusivas de habitacao e emprego. Muitos desses jovens de que falei, estao no final dos seus cursos e concerteza que a primeira medida a tomarem depois disso tem a ver com o emprego, depois querem uma casa propria, logo uma familia. E na sua concepcao quem proporciona tais coisas sao os partidos, quer a Frelimo, Renamo e o esperancoso MDM.

    Nao estou contra essa mentalidade com disse no texto, mas incomoda-me quando isso eh feito ate a exaustao.

    ResponderEliminar
  6. Obrigado Egidio

    O meu e-mail funciona e podes experimenta-lo once again felixesperanca@gmail.com.

    Estou contente por fazer parte do circulo das pessoas do teu elo. Eh sempre um grande prazer juntar-se aos bons sobretudo quando temos a certeza de que tal alianca possa traduzir-se na troca de ideias brilhantes vindas de gente lucida, critica em raciocinio e despida de juizos de valores e preconceitos. E ao avaliar pelos seus escritos magistrais posso assegurar-lhe que a sua personalidade cabe muito bem nesses atributos caro Egidio.

    Viva...
    Por amor a patria.

    ResponderEliminar
  7. Caro Patriota

    Esperei bastante pela resposta. Hehehehe! Apenas para continuarmos a nossa conversa.
    Concordo com a conclusão que tiras quanto às persepectivas dos jovens a aderirem partidos que mais do que lutar contra o sistema excludente se rendem para alimentar o seu próprio ego. Por acaso, eu mesmo noto muito isso com os meus conterrâneos nacionais e até certo ponto ou muitas vezes me levam a uma reflexão em que nunca encontro resposta, levando-me a ser pessismista.

    Meu caro amigo, um dos grandes problemas reside na nossa socializacão. Somos socializados à injustica, à indiferença ao sofrimento do nosso próximo. As nossas relacões sociais, sobretudo, no ambiente urbano, nas instituicões são verticais e até lamento dizer que na minha percepcão, nos meios rurais observa-se algo que podemos chamar de um pouco de democracia que nos urbanos. É paradoxal, mas a minha observacão atenciosa me leva a essa conclusão.

    Portanto, acho ser difícil produzirmos indivíduos justos numa sociedade em que a injustiça é aceite e estimulada. Em Moçambique os direitos humanos, igualdade entre cidadãos, justiça não são geralmente aceites por muitos e sobretudo por aqueles que deviam-os garantir. Se tu falas sobre quem não tem sequer um pão para comer num almoço, virá um abastado/folgado a chamar-te anti-patriota. És patriotas quando achas que o standard dos moçambicanos é do senhor abastado...
    É difícil produzir democratas, numa sociedade em que anti-democracia é aceite e estimulada por aqueles que deviam-na garantir. Se falas de democracia no sentido verdadeiro, onde o indívíduo (cada um) é influente na sociedade, és ocidental, pese ainda ninguém tenha nos revelado a democracia africana, do leste, etc e as suas vantagens e seu progresso. A democracia termina no discurso.
    O caminho é longo e talvez tortuoso porque ainda não começámos a construir as bases para uma sociedade justa e democrática para além do discurso.
    Vou dar dois exemplos impiricamente provados por mim:
    1. Trabalhando numa ONGs, num distrito da minha província, Nampula, tivemos uma reunião de professores. Nela participaram alguns professores de outras escolas daquele distrito e três membros da direcção de educação. Da direcção de educacão apareceu uma senhora para o protocolo e eu me envolvi voluntariamente no protocolo. Decidi que todos os participantes do encontro tivessem o mesmo tipo de comida. Eis que a minha contra-parte protesta: café é para os chefes e chá para os professores simples.

    2. Numa outra vez tivemos um convívio desportivo no local acima. A maior complicação que tive foi de que cada chefe que lá viesse e saiesse tinha que se lhe garantir uma viatura em que tinha que ter lugar na cabina. Imagina quantos carros quase vazios tinham que fazer um vai e vem?!?! Que se lixasse o custo do combustível, salário de motoristas e tudo o resto.

    Veja assim, quando os nossos jovens saem das universidades o que querem ser... Sair do sistema ou combater o sistema?
    Se queremos sair do sistema que os pelo menos 20 % comecem por pensar na justiça, em direitos humanos, democracia. Isso deve constar nos programas de ensino e ser obrigatório na sua aplicação desde o ensino primário...

    Um abraço compatriota

    P.S: Não estou a dizer que nunca fui injusto e anti-democrata, mas reflicto pelo que e quando assim fui e sou.

    ResponderEliminar