sexta-feira, 20 de novembro de 2009

22 de Novembro de 2009

Em Memória de Carlos Cardoso

Ano de 2000. Tarde de quarta-feira 22 de Novembro. Carlos Cardoso fechou a edição do dia e enviou por Fax o Metical aos mais de 400 assinantes, sobretudo diplomatas, funcionários e pessoas ligadas aos negócios. O dia caía, por volta das 18 horas entrou no carro com o motorista e dirigiram-se à casa.

Pelo caminho, numa das avenidas de Maputo, duas viaturas Vokswagen, um Citti Golf vermelho e outro 1600 Sedan com vidros fumados, bloquearam o seu automóvel. De acordo com várias notícias, dois homens armados com AK-47 saíram de um dos veículos e atiraram fatalmente contra o jornalista e feriram o seu motorista.

Morria nesse instante supremo um grande homem, o percursor do jornalismo investigativo em Moçambique e porta-voz das minorias empobrecidas e oprimidas que com suor e sacrifício sobrevivem à intempérie a tentar encontrar a sua voz e vez. Foi o maior no jornalismo e um dos melhores entre os filhos de Moçambique, é por isso que, o seu nome ficará indelevelmente marcado no rodapé da história contemporânea deste país.

As causas por detrás da sua morte suscitaram muitas interpretações, todavia a maior parte delas ponderam que Cardoso foi morto porque representava uma grande ameaça contra a corrupção, a lavagem de dinheiro, o narcotráfico, o abuso de poder, o enriquecimento ilícito entre outros crimes. A maior parte desses males eram e continuam a ser protagonizados por pessoas ligadas ao poder politico e económico. Nesta ordem de ideias, em 2001, numa das suas passagens, um relatório do Comité para Protecção de Jornalistas, escreveu nos seguintes termos: “ Cardoso tinha sido morto por que era o único jornalista que tinha os contactos, a habilidade e a tendência para confrontar as elites no poder com provas sobre a sua própria corrupção”.

De lá para cá, passam nove anos. São nove anos de eterna saudade. Anos de ausência-presença. Anos de dor. Anos de nostalgia. Anos de frustração e de rancor por parte de seus familiares, amigos e muitos outros cidadãos que se revêem e se espelham em seus ideais, pelo que um simples julgamento e uma pena máxima contra os seus assassinos constituem uma insignificância para repor o vazio e o luto que ele deixou.

Entretanto, para além de dar que falar, a sua morte despoletou várias faces ocultas do sistema politico e economico de turno na época, como também pôs a nu muita podridão, outrora encobertas pelos mais eficazes métodos maquiavélicos. A partir daí, o país, demonstrou ao mundo, até à saciedade, a hipocrisia e a mentira por que sempre se regeu. Passou-se a conhecer na integra os indivíduos que ditam as regras do jogo, como também fez-se saber que, às vezes o estatuído na lei serve apenas para o Inglês ver tal como aconteceu com a liberdade de imprensa preconizada em principio na Constituição de 1990, Cardoso quis fazer o seu uso e logo foi morto.

Com a morte deste grande homem, Moçambique passou, cada vez mais, a ganhar lugar no grupo dos países mais corruptos do mundo e cresceu sobre si o número de pesquisas e investigações sobre actividades ilegais. Posteriormente, esses estudos pariram inúmeras exposições violentas que mancharam a nossa imagem no contexto das nações. Um deles foi em 2000 quando o famoso relatório da Agência Americana Anti-Drogas (DEA) que tinha aberto um gabinete na vizinha África do Sul, em 1997, para monitorizar o explosivo crescimento da indústria de narcóticos na região, reportou que Moçambique era um dos principais portos de entrada de drogas ilegais oriundas do Sudeste Asiático e, ainda segundo a DEA, a maior parte deste tráfico é, posteriormente, enviado para a Europa.

Assim, volvidos que são nove anos é necessário que novos Cardosos surjam para prosseguir com os ideais do primeiro. Moçambique continua a subir na lista dos mais corruptos entre as nações, a pobreza cresce, a exclusão social aumenta, as assimetrias regionais prevalecem, o tribalismo e regionalismo nos caracterizam, a partidarização do aparelho de Estado é o nosso modus vivendi, o país virou um suave Zimbabué e o aparelho de Estado um feudo gerido por gente individualista até ao nojo.

Em meu entender, as condições existem, mas faltam a coragem e estômago para tal, algo que persiste, devido a crónica mentalidade de defesa do pão, labebotismo e escovismo crassos que caracterizam muitos jornalistas deste país. Cardoso era destemido e mais do que isso foi um verdadeiro patriota, razão pela qual deu a sua vida pela pátria amada. Por tudo isso e muito mais, o seu nome continuará a inspirar gerações. Que a sua alma descanse na paz dos anjos e que Deus lhe perdoe as suas faltas!