sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Carlos Cardoso vive!

A pátria moçambicana, pode orgulhar-se de ter parido grandes homens, apesar de nem sempre lhes cultuar a memória gloriosa como é de justiça. É fácil aqui, preconceitos à parte, mencionar alguns, sem ser preciso recorrer a um Mondlane, a um Simango, a um Machel, a uma Simeão, a um Magaia, a um Matsangaíssa e mais recentemente a um Siba-Siba Macuacuá entre outros. Nesta pequena lista de heróis, com certeza que ficará por mérito próprio, um dos melhores filhos deste país: Carlos Cardoso. Indubitavelmente um moçambicano que, pelas suas convicções, pode e bem, ombrear com figuras como Martin Luther King, Nelson Mandela, Ché Guevara, John F. Kennedy, Malcom X, entre outros.

Os da sua geração apontam-no como “um mártir da liberdade de imprensa, pelo extraordinário trabalho de jornalista investigativo, que ousou interferir na rede da corrupção e do crime organizado no seu país, por isso foi assassinado”. Quanto a mim, a sua obra é de dimensões universais. Faltou-lhe apenas ter nascido num país de maior projecção internacional e que bem cuidasse da reputação dos seus melhores filhos, para que hoje o seu nome corresse de boca em boca à escala planetária.

O contexto da sua morte
O que se segue é uma tentativa sucinta e apaixonada de descrever o contexto da sua morte com base nos vários documentos tipo relatórios, jornais e tantos artigos publicados na Internet ao longo destes anos. Aconselho aos que se interessarem mais pelo assunto, a procurarem por outras fontes.

1992-1996
Passam por estes dias, 10 anos desde a sua morte. Por razões óbvias, recuemos no tempo até 1992, data da assinatura dos acordos gerais de paz e da fundação do Banco Comercial de Moçambique (BCM). Desde então, a economia do país começou a crescer de forma impressionante. A agricultura continuou a ser o motor da economia, mas o país tinha enormes recursos hidroeléctricos, petróleo e gás natural por explorar.
Nesse ambiente, Carlos Cardoso e outros profissionais, criaram o Mediafax, uma publicação orientada para um jornalismo de investigação, notabilizando-se sobretudo na abordagem de temas polémicos. Ainda em Maio desse ano, surgiu pela mão do mesmo grupo, outra publicação: o semanário SAVANA.

Logicamente, apesar do visível crescimento do país, como um bom jornalista que era, Cardoso tinha dúvidas sobre os reais beneficiários da revolução capitalista de Moçambique. Ligado aos sectores mais radicais da Frelimo (socialistas), denuncia o alastramento da corrupção e os abusos de poder. Atribui o elevado crescimento do país, não a um desenvolvimento sustentável, mas a especulações na banca e no imobiliário em Maputo, à lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e outras actividades ilegais. Torna-se uma personagem incómoda pela forma desabrida como relatava as situações. Começa a afirmar-se que sabia demais.

Para dar credibilidade a muitas das suas afirmações mais polémicas aponta-se o facto de em 2000, a Agência Americana Anti-Drogas (DEA), que tinha aberto um gabinete na vizinha África do Sul, em 1997, para monitorizar o explosivo crescimento da indústria de narcóticos na região, ter identificado Moçambique como um dos principais portos de entrada de drogas ilegais oriundas do Sudeste Asiático. Estas drogas são depois enviadas para a Europa.

Embora continuasse a ser um simpatizante da FRELIMO, Carlos Cardoso estava convencido que as políticas do governo beneficiavam principalmente os ricos. À medida que avançava nas suas investigações, descobria novos casos de corrupção entre membros do partido no poder que acumulavam enormes fortunas pessoais.

1997-2000
Em 1997, abandona o Mediafax e lança o Metical. Fiel às suas raízes socialistas, dirigiu este jornal como uma cooperativa. A partir de 1998, para além do seu trabalho jornalístico, envolveu-se na política local em Maputo, tornando-se membro do Conselho Municipal. No Metical passou a denunciar figuras de topo da FRELIMO.

Com esta trajectória interventiva, a história oficial da sua vida aponta para um dos desfechos mais comuns em África: assassinato a mando daqueles que foram feridos nos seus interesses. E como tal, em termos físicos foi barbaramente assassinado às 18 horas de 22 de Novembro de 2000, mas a sua obra e o seu espírito subsistirão intactos na memória de todos os homens de bom-senso deste país. Muitos Cardosos ainda virão!
Ele vive!